09 setembro 2005

Água é vida, e vida não se privatiza
Dejair Soares, 09/09/2005 - 13:17h

O Governo do Estado do Amazonas, em junho de 2000 leiloou a Manaus Saneamento, responsável por 96% das atividades da Companhia de Saneamento do Amazonas. Quem comprou a Manaus Saneamento foi a transnacional francesa Suez-Lyonnaise. Pagou R$ 180 milhões, mas 50% destes recursos foram financiados pelo BNDES. Segundo especialistas, estes recursos teriam sido recuperados pela empresa em apenas 14 meses de operação. A fonte destes recursos são as tarifas pagas pela população. A privatização da água é um processo que ganha escala em todo o mundo. Em 1980 eram 12 milhões de domicílios. Hoje são 600 milhões. Os países pioneiros são a Inglaterra, a França, o Chile. Com o discurso das PPP – parcerias público-privado, que não tem nada de brasileiro, quatro grandes multinacionais – com o respaldo das agencias multilaterais de financiamento – avançam sobre os serviços públicos de saneamento básico no mundo inteiro. São elas: Ondeo, uma filial da Suez-Lionnaise, com 125 milhões de clientes; Veolia (ex-Vivendi), com 110 milhões de clientes; Saur, com 29 milhões de clientes. A estas três companhias francesas se soma a RWE alemã e sua filial inglesa, a Thames Water.
O resultado destas privatizações é um aumento exorbitante no preço da água. Em 1995 a empresa Générale des Eaux (Veolia) ganhou o leilão de privatização da água na província Argentina de Tucumán. Ao assumir a empresa aumentou em 104% o preço dos serviços. Em 2000 a empresa norte-americana Betchel assumiu o controle dos serviços de água de Cochabamba, na Bolívia. Em semanas a empresa triplicou o preço dos serviços para as famílias mais pobres. Os exemplos poderiam se multiplicar, pois esta é a lógica das empresas que operam neste novo mercado. Mas estes exemplos têm outro significado também. Nos dois casos a mobilização popular obrigou seus governos a rescindirem os contratos com estas empresas, e a assumirem diretamente a prestação destes serviços públicos.
A água não pode ser transformada em mera moeda de troca no mercado. Além disso, não se deve esquecer dos resultados perversos provocados pela privatização dos setores elétricos e de telecomunicações dentro e fora do Brasil, que trouxe, entre outras coisas, queda da qualidade dos serviços e grande aumento das tarifas. Acreditamos que não se pode perder de vista que se, nas condições atuais, muita gente no município está privada dos serviços de saneamento, imagine-se o cenário perverso que pode se estabelecer se este setor for privatizado.
Cuiabá de hoje, com graves problemas de saúde pública, privatizar o setor de saneamento é correr o risco de transformar direitos humanos fundamentais em mercadorias, às quais só quem tem dinheiro terá acesso. O exemplo do que ocorreu com a privatização da telefonia fixa, a privatização dos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgotos poderão ser acompanhados de um aumento extorsivo das tarifas sem a devida garantia de melhor qualidade dos serviços de saneamento básico.
Também somos da opinião que deverá imperar a exclusão e não a universalização do serviço, uma vez que a empresa privada não investirá na expansão de redes de abastecimento de água e esgotamento sanitário que apontem para margens mínimas ou nulas de lucratividade, dando preferência a quem puder pagar mais pelo serviço. Como a população cresce ano a ano, aumentaria o número dos sem saneamento, especialmente na zona rural.
Pior: em pouco tempo, os abusos econômicos e tarifários poderiam acarretar crises, uma vez que o monopólio do setor de abastecimento e saneamento é uma realidade, pois se sabe de antemão que é anti-econômico dispor de mais de uma rede de abastecimento de águas ou de coleta de esgotos para livre escolha do consumidor. O serviço privatizado passaria de serviço público para mais um monopólio privado, deixando o usuário refém da empresa privada que poderá estabelecer como quiser preços e normas de atendimento.
No serviço público, o lucro não é a meta principal e a sociedade exerce, em tese, maior controle sobre as atividades. O Governo federal tende para essa solução, pois teme que a concessão de serviços de águas e esgoto seja vista como mera medida fiscal, para equilibrar as finanças governamentais locais, e assim fiquem em segundo plano. Afinal, a água é um bem de disponibilidade finita, portanto, de oferta limitada, que deve atender à demanda essencial de toda a população, independentemente da capacidade de pagamento de cada usuário. Nessas condições, as leis de mercado - pilar básico da iniciativa privada - não se aplicam.
Privatizar o saneamento é uma forma ardilosa de cerceamento de um direito natural de cada indivíduo e o mercado não pode estar no controle sobre esse direito. Ressalte-se que há consenso entre as organizações da sociedade civil brasileira, incluída neste universo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil que em sua Campanha da Fraternidade de 2004 abordará o tema Água, Fonte da Vida, quanto a descartar esse recurso vital como mercadoria, especialmente quando o assunto é o acesso e universalização dos serviços de abastecimento e saneamento básico em oposição à privatização dos bens naturais proposta pelas corporações transnacionais.
A África do Sul e o Uruguai já incluíram nas suas Constituições que a água não pode ser privatizada. A Frente Nacional de Saneamento Ambiental apresentou ao Congresso um documento com 720.000 assinaturas contra a privatização da água no Brasil.
Não podemos abrir mão de que todo o Cuiabano e Brasileiro tem direito à água potável de qualidade, mesmo se não tiver dinheiro para pagar.
Dejair Soares é Publicitário e pós-graduado em Gestão Pública e Gestão do Estado

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